Vencer a ganância e o acúmulo

Pe. Geraldo Martins

Uma das buscas mais insistentes do ser humano diz respeito ao sentido da vida. E não são poucos que se enganam nessa empreitada. Por quê? Porque se deixam guiar por princípios equivocados, ditados por fontes cujos valores contradizem o evangelho de Jesus Cristo. Conduzidos por esses princípios, muitos pensam, por exemplo, que a felicidade e a segurança de sua vida estão nas riquezas e no dinheiro que lhe garantem poder e status. Convictos disso, consomem o melhor de suas energias e de sua vida em acumular bens, voltados para si mesmos sem se preocupar com o outro. Sua meta é ter, não importa a que custo.


A Palavra de Deus mostra o quanto isso está longe do verdadeiro sentido da vida. O livro do Eclesiastes classifica tudo de ‘ilusão’ ou ‘vaidade’ (Ecl 1,2). “Que resta ao homem de todos os trabalhos e preocupações que o desgastam debaixo do sol?” (Ecl 2,22). Longe de pessimismo ou derrotismo, o autor do livro sagrado quer realçar a brevidade da vida e mostrar que o verdadeiro sentido da existência está em Deus, o único absoluto de nossa vida. Fora de Deus, tudo é vaidade e ilusão. Não é no trabalho excessivo, no acúmulo de bens ou na riqueza ajuntada que o ser humano encontra segurança e felicidade, mas em Deus.

Esta palavra fica ainda mais clara com a afirmação de Jesus: “a vida do ser humano não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). Assim, o importante não é ajuntar tesouros para si mesmo, mas ser rico diante de Deus (cf. Lc 12,21). Isso me faz lembrar o poema da grande mística Santa Tereza de Ávila: “Nada te perturbe, nada te espante,/ Tudo passa, Deus não muda,/ A paciência tudo alcança;/ Quem a Deus tem, nada lhe falta:/ Só Deus basta”.
Como isso contrasta com o sistema político-econômico que governa o Brasil e o mundo! Lamentavelmente, nossa tendência é obedecer mais a esse sistema, cuja base é a ganância e, consequentemente o acúmulo de bens, que o Evangelho. A muitos passa despercebida a advertência de Jesus: “Tomem cuidado contra todo tipo de ganância” (Lc 12,15). Toda ganância é um escândalo.

Tentação que ronda permanentemente o coração e a mente humana, alimentada pelo capitalismo selvagem que domina o mundo, a ganância é expressão máxima do quanto o ser humano se distancia do ideal pregado e ensinado por Jesus. Ela leva as pessoas a buscarem desenfreadamente o dinheiro e a riqueza que se transformam em ídolos aos quais sacrificam a própria vida, iludidos de que aí encontrarão a felicidade. Nem mesmo a Igreja está imune a essa tentação.

A desigualdade social é fruto da ganância de quem acumula, ignorando os que, ao seu lado, na pobreza ou na miséria, reclamam vida e dignidade. Estudo do Credit Suisse Global Wealth Report, por exemplo, mostra que o 1% da população brasileira mais rica possui 43% da riqueza familiar do país. Como eliminar esse abismo?! Já a ONG britânica Oxfam revela que, em 2018, as 26 pessoas mais ricas do mundo possuíam a mesma riqueza dos 3,8 bilhões que compõem a metade mais pobre da humanidade. É de assustar ou não?!

Temos vivido momentos perturbadores no cenário político, econômico e social brasileiro: o assassinato do cacique Emyrá Waiãpi, no Amapá, com a denúncia de invasão de garimpeiros nas terras desses indígenas; o massacre que dizimou 62 presidiários em Altamira, no Pará; as estarrecedoras declarações do presidente da República acerca da ditatura e de outros temas da realidade do país, como a contestação dos dados sobre o desmatamento da Amazônia, a declaração sobre trabalho escravo e a defesa do garimpo em terras indígenas; os escândalos divulgados pela denominada “Vaza Jato”. Há, ainda, os lucros exorbitantes dos bancos, das mineradoras e de outras empresas num país com mais de 13 milhões de desempregados.

À luz do Evangelho, podemos nos perguntar se esses e outros tantos problemas da realidade brasileira não são resultado exatamente da ganância, maquiada de desenvolvimento? Se o Brasil é um país tão rico, por que há tanta pobreza e miséria? A explicação não estaria na concentração de riqueza e renda nas mãos de poucos?
Vencer a ganância, superar o acúmulo, buscar a igualdade e o bem comum. Esse é o caminho de quem se entrega a Deus no desejo de encontrar sentido da própria existência. Só pode trilhá-lo quem for capaz de aspirar às coisas celestes e não as terrestres, fazendo morrer em si tudo o que pertence à terra: “imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e a cobiça, que é idolatria” (Cl 3,2.5). Estamos todos dispostos a isso?

Comentários

  1. Que Deus abençoe a todos os necessitados!! 🙏

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  2. "Eles, deixando imediatamente as redes, o seguiram" (Mc 1,18). 
    Mano, querido.
    - Que Deus o abençoe em sua vida sacerdotal! Seja em missão ou outra função, afinal, "à luz do Evangelho", tudo é missão!
    Parabéns, pelo dia do padre!
    Um super abraço.

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  3. Excelente texto. Permite a cada um de nós pensarmos o que temos feito para mudar esta realidade.

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  4. Que lindo texto mano. Nos faz refletir a importância de buscarmos mais as coisas do alto e nos desprendermos das coisas terrena. E também a não nos preocuparmos tanto com o dia de amanha, como nos fala Santa Tereza: "nada te perturbe, nada te espante,/ Tudo passa, Deus não muda,/ A paciência tudo alcança;/ Quem a Deus tem, nada lhe falta:/ Só Deus basta”. Deixar que Deus conduza a nossa vida.

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