“Aspirem à mesma coisa, unidos no mesmo amor”[1]


Pe. Geraldo Martins

A fé nos reúne neste Santuário para fazermos memória dos três anos do rompimento da barragem de Fundão - de propriedade da Vale, BHP Billinton e Samarco - o maior crime socioambiental do Brasil e um dos maiores do mundo. Muitos ainda podem se perguntar: por que fazer memória de uma tragédia que só nos traz dor e lágrimas? A resposta é simples: para que ela jamais se repita, para que os responsáveis sejam punidos de acordo com a lei, para que os atingidos e atingidas sejam devidamente reparados, compensados e indenizados, para que nossa Casa Comum volte a ser respeitada, para que o Rio Doce volte a ser sinal de vida e esperança para os que dependem dele.

Queridos irmãos e irmãs, olhando para os atingidos e atingidas, acompanhando sua luta diária desde aquele triste 5 de novembro de 2015, vêm-me à memória as palavra de São Paulo: “Somos atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em extrema dificuldade, mas não vencidos pelos impasses; perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados. Incessantemente e por toda parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo” (2Cor, 4,8-10).

Quero ressaltar aqui três aspectos que têm sido a razão da perseverança e da conquista dos atingidos, embora estas conquistas estejam muito aquém do que têm direito e alcançadas em tempo tão largo, num flagrante desrespeito aos seus direitos.

Em primeiro lugar destaco a fé desses irmãos e irmãs. Penso ser esse o primeiro e principal elemento que tem mantida acesa a chama da esperança no coração dos atingidos e atingidas. A fé é a fonte que os tem saciado e fortalecido nesta caminhada de luta e resistência. Não uma fé alienada ou alienante que os leva ao conformismo ou aceitação passiva do que lhes querem impor. Mas uma fé viva, dinâmica que os faz ver também com a razão aquilo a que têm direito. Uma fé que lhes ilumina o caminho da vitória. Uma fé que alimenta sua esperança contra toda esperança.

Vale recordar aqui a palavra do papa Francisco: “A luz da fé não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram mediadores de luz para tantos homens e mulheres de fé (vocês têm sido mediadores da luz de Deus para nós). A fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho. Ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas oferece a sua resposta sob a forma de uma presença que o acompanha, de uma história de bem que se une a cada história de sofrimento para nela abrir uma brecha de luz. Em Cristo, o próprio Deus quis partilhar conosco esta estrada e oferecer-nos o seu olhar para nela vermos a luz” (Lumen Fidei, 57). Obrigado, irmãos e irmãs, por seu testemunho de fé. Cultivem sempre mais esse dom de Deus que os torna fortes para enfrentar qualquer adversário e todas as dificuldades.

O segundo aspecto que desejo salientar é a união entre os atingidos e desses com seus aliados. Se antes as comunidades atingidas já eram unidas e viviam uma amizade que lembrava as primeiras comunidades cristãs, na relação de parentesco, de vizinhança, partilhando a vida e os bens, na fraternidade, hoje, essa união se mostra sobretudo na comunhão de ideias, na luta por objetivos comuns. Essa união é fundamental para que se alcance a vitória na busca de seus direitos. Exorto-os a continuarem firmes nessa união, mesmo nas diferenças que caracterizam a pessoa humana. Tenham como modelo de união e de comunhão a Santíssima Trindade que habita em vocês. Não se dividam. Lembrem-se do que disse Jesus: “Todo reino dividido contra si mesmo acaba em ruína e nenhuma cidade ou casa dividida contra si mesma poderá subsistir” (Mt 12,25). Lembrem-se, tudo o que nos divide é obra do diabo!

Guardemos as palavras proclamadas na segunda leitura desta liturgia: aspirem à mesma coisa, unidos no mesmo amor; vivam em harmonia, procurando a unidade. Não façam nada por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro” (Fl 2,2-4). Fazendo isso, vocês alcançarão mais rapidamente seus sonhos e desejos.

O último aspecto para o qual chama a atenção é a luta por justiça dos atingidos e atingidas. Não tem sido fácil, sei disso. Não fosse a determinação de vocês, nascida de sua fé, de sua esperança e de sua união, certamente, tudo estaria ainda mais difícil. Nessa luta não lhes tem faltado a presença de aliados e parceiros que sofrem com vocês, choram com vocês, pensam com vocês. Muitos deles estão aqui, celebrando esse dia. Manifestam com gestos concretos, na doação da própria vida, sua solidariedade, sua compaixão. Muitos deles já se tornaram íntimos de vocês. Mais que amigos, são irmãos. Como isso é consolador! Também neles e por eles, não tenho dúvida, Deus se faz presente na caminhada de vocês.

Queridos irmãos e irmãs, a Igreja define a justiça como sendo “a virtude moral que consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido” (CIC 1807). A justiça, portanto, supõe colocar-se do lado de quem teve seus bens, sua vida, seus sonhos destruídos. Deus sempre se colocou do lado dos injustiçados como lembra o Salmo 146/145, transformado em canção por Waldeci Farias: “Nosso Deus põe-se do lado dos famintos e injustiçados,/ Dos pobres e oprimidos, dos injustamente vencidos. / Ele barra o caminho dos maus, que exploram sem compaixão;/ Mas dá força ao braço dos bons, que sustentam o peso do irmão”.

É isso que acreditamos! É isso que celebramos!


[1] Homilia proferida na missa dos três anos de rompimento da barragem de Fundão. Santuário Nossa Senhora do Carmo, Mariana-MG, 5 de novembro de 2018.

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