Pe. Geraldo Martins
A fé nos reúne neste Santuário para fazermos memória dos três
anos do rompimento da barragem de Fundão - de propriedade da Vale, BHP
Billinton e Samarco - o maior crime socioambiental do Brasil e um dos maiores
do mundo. Muitos ainda podem se perguntar: por que fazer memória de uma
tragédia que só nos traz dor e lágrimas? A resposta é simples: para que ela
jamais se repita, para que os responsáveis sejam punidos de acordo com a lei,
para que os atingidos e atingidas sejam devidamente reparados, compensados e
indenizados, para que nossa Casa Comum volte a ser respeitada, para que o Rio
Doce volte a ser sinal de vida e esperança para os que dependem dele.
Queridos irmãos e irmãs, olhando para os atingidos e
atingidas, acompanhando sua luta diária desde aquele triste 5 de novembro de
2015, vêm-me à memória as palavra de São Paulo: “Somos atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em
extrema dificuldade, mas não vencidos pelos impasses; perseguidos, mas não
abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados. Incessantemente e por
toda parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de
Jesus seja também manifestada em nosso corpo” (2Cor, 4,8-10).
Quero ressaltar aqui três aspectos que têm sido a razão da
perseverança e da conquista dos atingidos, embora estas conquistas estejam
muito aquém do que têm direito e alcançadas em tempo tão largo, num flagrante desrespeito
aos seus direitos.
Em primeiro lugar destaco a fé desses irmãos e irmãs. Penso
ser esse o primeiro e principal elemento que tem mantida acesa a chama da
esperança no coração dos atingidos e atingidas. A fé é a fonte que os tem
saciado e fortalecido nesta caminhada de luta e resistência. Não uma fé
alienada ou alienante que os leva ao conformismo ou aceitação passiva do que
lhes querem impor. Mas uma fé viva, dinâmica que os faz ver também com a razão aquilo
a que têm direito. Uma fé que lhes ilumina o caminho da vitória. Uma fé que
alimenta sua esperança contra toda esperança.
Vale recordar aqui a palavra do papa Francisco: “A luz da fé
não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram mediadores de
luz para tantos homens e mulheres de fé (vocês têm sido mediadores da luz de
Deus para nós). A fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas
lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho. Ao
homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas oferece a sua
resposta sob a forma de uma presença que o acompanha, de uma história de bem
que se une a cada história de sofrimento para nela abrir uma brecha de luz. Em
Cristo, o próprio Deus quis partilhar conosco esta estrada e oferecer-nos o seu
olhar para nela vermos a luz” (Lumen Fidei, 57). Obrigado, irmãos e irmãs, por
seu testemunho de fé. Cultivem sempre mais esse dom de Deus que os torna fortes
para enfrentar qualquer adversário e todas as dificuldades.
O segundo
aspecto que desejo salientar é a união
entre os atingidos e desses com seus aliados. Se antes as comunidades atingidas
já eram unidas e viviam uma amizade que lembrava as primeiras comunidades
cristãs, na relação de parentesco, de vizinhança, partilhando a vida e os bens,
na fraternidade, hoje, essa união se mostra sobretudo na comunhão de ideias, na
luta por objetivos comuns. Essa união é fundamental para que se alcance a
vitória na busca de seus direitos. Exorto-os a continuarem firmes nessa união,
mesmo nas diferenças que caracterizam a pessoa humana. Tenham como modelo de
união e de comunhão a Santíssima Trindade que habita em vocês. Não se dividam.
Lembrem-se do que disse Jesus: “Todo reino dividido contra si mesmo acaba em
ruína e nenhuma cidade ou casa dividida contra si mesma poderá subsistir” (Mt
12,25). Lembrem-se, tudo o que nos divide é obra do diabo!
Guardemos as palavras proclamadas na segunda leitura desta
liturgia: “aspirem à mesma coisa, unidos no mesmo amor; vivam em harmonia, procurando a unidade. Não façam nada por competição ou
vanglória, mas, com humildade, cada
um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro” (Fl 2,2-4). Fazendo isso,
vocês alcançarão mais rapidamente seus sonhos e desejos.
O
último aspecto para o qual chama a atenção é a luta por justiça dos atingidos e atingidas. Não tem sido
fácil, sei disso. Não fosse a determinação de vocês, nascida de sua fé, de sua
esperança e de sua união, certamente, tudo estaria ainda mais difícil. Nessa
luta não lhes tem faltado a presença de aliados e parceiros que sofrem com
vocês, choram com vocês, pensam com vocês. Muitos deles estão aqui, celebrando
esse dia. Manifestam com gestos concretos, na doação da própria vida, sua
solidariedade, sua compaixão. Muitos deles já se tornaram íntimos de vocês.
Mais que amigos, são irmãos. Como isso é consolador! Também neles e por eles,
não tenho dúvida, Deus se faz presente na caminhada de vocês.
Queridos
irmãos e irmãs, a Igreja define a justiça como sendo “a virtude moral
que consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes
é devido” (CIC 1807). A justiça, portanto, supõe colocar-se do lado de quem
teve seus bens, sua vida, seus sonhos destruídos. Deus sempre se colocou do
lado dos injustiçados como lembra o Salmo 146/145, transformado em canção por
Waldeci Farias: “Nosso Deus põe-se do
lado dos famintos e injustiçados,/ Dos pobres e oprimidos, dos injustamente
vencidos. / Ele barra o caminho dos maus, que exploram sem compaixão;/ Mas dá
força ao braço dos bons, que sustentam o peso do irmão”.
É
isso que acreditamos! É isso que celebramos!
[1]
Homilia proferida na missa dos três anos de rompimento da barragem de Fundão.
Santuário Nossa Senhora do Carmo, Mariana-MG, 5 de novembro de 2018.
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