Fazer o que o Mestre ensinou*

"Se eu não te lavar os pés, não terás parte comigo”
A missa da ceia do Senhor convida-nos a voltar nosso olhar para a família de Jesus que se reúne em torno da mesa. Este é o lugar do encontro, da conversa, do diálogo, especialmente na hora das refeições. Que bom se voltássemos a ter a mesa como o lugar da reunião da família onde todos podem se sentar e partilhar a vida!
O forro que cobre a mesa em torno da qual Jesus se reúne com seus discípulos para a páscoa é o amor. Esse amor se manifesta em três dimensões que se interpenetram: 1) O amor que serve; 2) O amor que partilha; 3) O amor que se doa.
Para servir, é preciso levantar-se da mesa, a exemplo de Jesus e revestir-se das vestes do mordomo: o avental, a toalha, a bacia com água. Não basta compreender o que Jesus fez. É preciso imitá-lo, fazer o que ele fez. Contudo, só é capaz de imitá-lo quem se deixa lavar por Ele. Quem se recusa a ter os pés lavados por Jesus não pode sentar-se à mesa com Ele, fica impedido de ter parte com Ele. Quantas vezes nos refugiamos numa falsa modéstia, numa ilusória humildade ou numa limitação de compreensão do gesto de Jesus recusando-nos a nos deixar lavar por Ele. Privamo-nos, assim, de seu amor! A expressão “eu não sou digno” (de ter os pés lavados por Jesus) é verdadeira, mas pode soar presunção como se julgássemos que um dia poderemos ser dignos. Na verdade, somos lavados por Jesus unicamente por causa de seu amor, livre, gratuito, infinito – “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”.
Como atualizar o amor-serviço de Jesus no hoje de nossa história? De quem devemos lavar os pés hoje? Como? Basta olharmos ao nosso redor e a resposta chega fácil. Pensemos nos empobrecidos, nos violentados em seus direitos, nos desprovidos de políticas públicas, nos que têm sua dignidade ferida pela indiferença, pelo ódio, pela intolerância. Contudo, para que lhes lavemos os pés, é necessário que estejam à mesa. Como lavar-lhes os pés se não os convidamos para estar à mesa, ou melhor, se nos recusamos sentar-nos à mesa com eles quando o próprio Cristo é quem os convida para estar à mesa que Ele mesmo preside?
O amor que serve leva, inevitavelmente, à partilha. O sistema capitalista no qual vivemos defende uma lógica oposta à ensinada pelo Evangelho. Ao “dai-lhes vós mesmos de comer” (Lc 9,13), o sistema sobrepõe o “cada um pra si”. E são muitos os que seguem esse caminho. A desigualdade social vigente no Brasil, que coloca de um lado milhões de pobres que não têm acesso a uma vida com dignidade e os poucos que esbanjam sua riqueza, se fartam e se locupletam na total indiferença à carência dos excluídos, coloca nosso país entre um dos mais desiguais do mundo, não obstante sua economia ser uma das maiores. Não pode sentar-se à mesa com Jesus quem fecha os olhos às necessidades dos outros. Assim, devemos todos nos preocupar com as mudanças que propõem as reformas apresentadas pelo governo, como, por exemplo, a Reforma da Previdência e o chamado pacote anticrime. É preciso dar ouvido a especialistas que têm alertado para o risco de apertar ainda mais o cinto dos pobres com as propostas da Reforma da Previdência e de combate ao crime.
O amor-partilha faz-nos pensar na Eucaristia. Cristo se fez alimento para nós que também devemos nos fazer alimento para os irmãos. Isso ocorre na medida em que compreendermos o verdadeiro significado da eucaristia com ensina Santo Agostinho em suas Confissões: “Parecia-me ouvir tua voz do alto: ‘Eu sou o pão dos fortes: cresce, e de mim te alimentarás. Não me transformarás em ti, como fazes com o alimento do corpo, mas te transformarás em mim’”. Que maravilha! Compreendo que, ao me alimentar da eucaristia, me transformo em Cristo? Então, meu único caminho é o do amor que serve e partilha.
A expressão máxima dess amor é a doação de si mesmo. É o caminho trilhado por Jesus que se entrega por nós na cruz cujo mistério celembramos no tríduo pascal que iniciamos com esta celebração. “É na glória da cruz de Cristo que brilha o mandamento do amor (lava-pés); é no brilho dessa cruz que resplandece o sacramento do amor (Eucaristia); é no esplendor dessa cruz que podemos cumprir o pedido do Mestre: ‘fazei isto em memória de mim’” (CNBB).  
Todos, pelo batismo, somos chamados a viver a doação de si mesmo no amor, a exemplo de Cristo. O sacerdócio instituído por Cristo, no entanto, tem esse dever em grau máximo. Afinal, somos sacerdotes por participação no sacerdócio de Cristo. Ensina-nos o Papa Francisco: “Não somos distribuidores de azeite em garrafa. Somos ungidos, para ungir. Ungimos, distribuindo-nos a nós mesmos, distribuindo a nossa vocação e o nosso coração. Enquanto ungimos, somos de novo ungidos pela fé e pela afeição do nosso povo. Ungimos, sujando as nossas mãos ao tocar as feridas, os pecados, as amarguras do povo; ungimos perfumando as nossas mãos ao tocar a sua fé, as suas esperanças, a sua fidelidade e a generosidade sem reservas da sua doação, que muitas pessoas eruditas designam como superstição”.
Deus nos dê a graça de viver o amor que serve, que partilha, que faz de nós uma doação livre e gratuita a exemplo de Jesus. Só assim demonstraremos que fomos lavados por Ele, que compreendemos o que Ele fez e que fazemos o que Ele ensinou.
Amém!
* Homilia da Missa da Ceia do Senhor - Quinta-feira Santa

Comentários