Maria, mulher do serviço, da fé e da oração

Pe. Geraldo Martins

A Igreja não diz como e quando Maria morreu, mas, amparada na tradição e na palavra dos Santos Padres, fala da ‘Dormição’ de Maria. Sob o pontificado do papa São Leão IV, no final do século IX, esta festa já era celebrada sob o título de assunção da Bem-aventurada Virgem Maria, sendo mais solenizada pelo papa. Dada a singularidade de sua participação na história da salvação, Maria sempre gozou do amor, do carinho e da predileção dos discípulos e discípulas de Jesus.

O dogma da Assunção de Maria, proclamado em 1950 pelo papa Pio XII, aponta para o que nós esperamos: a ressurreição dos que vivem com fidelidade sua fé. O próprio papa o disse ao proclamar o dogma: “Esperamos que a fé na assunção corpórea de Maria ao céu torne mais firme e operativa a fé na nossa própria ressurreição” (MD, 42). O Concílio Vaticano II, por sua vez, declara: “A Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que há de se consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor” (LG, 68).

A virgem Maria, de fato, ocupa lugar singular na liturgia e na vida da Igreja. A ela aplicam-se inúmeras passagens bíblicas, algumas delas proclamadas nas suas festas e solenidades. O texto do livro do Apocalipse, por exemplo, escolhido para a solenidade da Assunção de Maria traz duas belíssimas imagens de Maria, vista como ‘Arca da Aliança’ (Ap 11,19) e ‘Mulher vestida de sol’ (Ap 12,1).

Por que Maria é chamada de Arca da Aliança? No Antigo Testamento, a Arca continha a Lei e era símbolo do Povo de Deus. Em 2Sm 6,6, narra-se que a Arca ficou na casa de Obed-Edom durante três meses e Deus o abençoou com toda sua casa. Na visita que faz a Isabel, Maria leva em seu ventre a nova lei do amor. Ela é, portanto, a Arca da nova Aliança e representa a Igreja, o novo Povo de Deus.

A ‘Mulher vestida de sol’, por sua vez, lembra, em primeiro lugar, a comunidade cristã que nasce sob a perseguição. O filho que traz em seu ventre é o Messias, salvador da humanidade. Por razões óbvias, muito cedo, a Igreja viu, nessa mulher, a figura de Maria que gera o libertador de toda a humanidade. Ela é, pois, a força e a inspiração das comunidades, sobretudo, quando são provadas em sua fé. Assunta ao céu, Maria é “mãe que nos espera e convida a caminhar para o Reino”. É garantia de que “o ser humano todo se salva, de que os corpos ressurgirão” (Missal Dominical, pag. 1346).

O evangelista Lucas, de sua parte, no episódio da visita de Maria a Isabel (Lc 1,39-46), salienta três virtudes de Maria que devem nos inspirar na vivência e testemunho de nossa fé: mulher servidora, crente e orante.

O serviço exige a determinação do levantar-se e do caminhar apressadamente, enfrentando a dureza do caminho, muitas vezes longo e difícil, em direção ao necessitado. Serviçal é quem, como Maria, antevê a necessidade do outro e parte para servir sem mesmo ser chamado. Quem são os que hoje esperam nossa visita serviçal? São as famílias que sofrem os impactos de uma sociedade que tenta descontruir os valores da unidade, da indissolubilidade, da fidelidade e do amor que devem marcar a união do casal entre si e deste com os filhos. São os pobres e excluídos, próximos de serem descartados, que estão a reclamar seus direitos diante da insegurança do hoje e da incerteza do amanhã. São os mais de 13 milhões de desempregados, vítimas do sistema que nos governa voltado para o capital mais que para a pessoa humana. São as vítimas da violência; os adolescentes e jovens que, sem projeto de vida, se perdem no caminho, afogam-se na depressão e, muitas vezes, acabam por tirar a própria vida; é a Amazônia, alvo dos megaprojetos econômicos que ameaçam seus povos, suas florestas, suas águas, sua fauna, a vida que nela pulsa. A estas e a tantas outras situações devemos nos dirigir, como Maria, apressadamente para servir e comunicar a alegre notícia da libertação trazida por Jesus.

Maria é também mulher de fé, a crente por excelência. É Isabel quem nos ensina isso ao saudá-la: “Bem-aventurada aquela que acreditou” (Lc1,45). A felicidade de Maria está, em primeiro lugar, em acreditar na promessa do Pai. A maternidade de Maria, que gera o filho de Deus, é consequência de sua fé. Crendo como Maria, também seremos bem-aventurados e Deus se servirá de nós para continuar o anúncio de sua obra redentora no mundo por meio de seu Filho Jesus. A fé que move Maria a faz abandonar-se inteiramente nas mãos do Senhor. Ocorre o mesmo conosco? Eis o segredo para a felicidade!

Por fim, Maria é discípula orante. Ela o testemunha no cântico que canta saudando Isabel. Trata-se de uma oração encarnada, que recorda a história da salvação e a ação de Deus em favor de seu povo. A oração de Maria tem a tríplice marca do sentido religioso, politico e social. No sentido religioso, reconhece que Deus resiste a um coração soberbo e orgulhoso. Deus só pode habitar e fazer maravilhas num coração pobre e humilde. No sentido político, Deus destrói as diferenças e desigualdades, tirando os poderosos do trono e nele colocando os pobres. No campo social, Deus se mostra parceiro dos pobres despedindo os ricos de mãos vazias e fartando os famintos.

Maria, Arca da nova Aliança, Mulher vestida de Sol, exemplo de quem serve, crê e reza, inspire-nos na cotidiana tarefa de sermos agentes transformadores da sociedade e do mundo. Assunta ao céu, ela nos anime no compromisso com a justiça, a solidariedade e a paz, sinais do Reino de Deus para o qual ressurgiremos, segundo nossa fé.    


Comentários

  1. Maria que deve... "nos inspirar na vivência e testemunho de nossa fé: mulher servidora, crente e orante". Meu abraço e preces, mano, por você e por sua 'missão'!

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