A quem queremos servir?

Pe. Geraldo Martins
A história testemunha que a desigualdade social vem de longa data, sendo construída por mecanismos que geram “ricos cada vez mais ricos ao lado de pobres cada vez mais pobres”, como lembrou São João Paulo II, há 40 anos, em Puebla, abrindo a IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano. Antes, o papa São Paulo VI já lembrava, na Populorum Progressio, que “não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos” (PP n. 33). Este desafio nos interpela há séculos, mas tornou-se mais evidente e profundo no sistema neoliberal que se impõe à economia mundial.

Na raiz dessa desigualdade, portanto, está a exploração dos pobres pelos ricos como denuncia o profeta Amós, no século VIII antes de Cristo. “Ouçam isto, vocês que maltratam os humildes e causam a prostração dos pobres da terra” (Am 8,4), diz o profeta dirigindo-se, especialmente, aos comerciantes que compunham a elite da sociedade de seu tempo. Com sua prática despida de pudor e ética, eles dominavam “os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias” (Am 8,6).

Quem tem olhos e coração apenas para o dinheiro e a riqueza perde toda sensibilidade para a necessidade do outro, faz do egoísmo a motivação de sua vida e é capaz de trilhar qualquer caminho que satisfaça sua avareza, até mesmo o da corrupção e da iniquidade. Vemos isso na parábola denominada “administrador desonesto” (Lc 16,1-13), contada por Jesus para dizer que quem quer ser seu discípulo precisa decidir entre Deus e o dinheiro.

Punido com a demissão por fraudar seu patrão, o administrador usa de astúcia e esperteza para continuar com seu padrão de vida. Qual foi sua esperteza? Diminuir o valor da dívida dos devedores de seu patrão abrindo mão, assim, do valor que, por conta própria, ele acrescentava à dívida retendo-o como seu lucro. Dessa forma, ele ficava bem, tanto com seu ex-patrão, que recebia o que lhe era devido, quanto com os comerciantes, que passavam a ter uma “dívida de gratidão” para com o ex-administrador por ter diminuído o valor de sua dívida. Esta foi sua astúcia. Por isso Jesus vai dizer que “os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios que os filhos da luz” (Lc 16,8).
 
Jesus se serve desse fato para alertar seus discípulos sobre duas questões. Em primeiro lugar, ensina que o Reino de Deus exige criatividade e astúcia diante de situações e fatos que se lhe opõem. A esperteza e a astúcia não são um mal, nem são condenáveis desde que se destinem ao bem e não firam o caminho da ética, da moral, da justiça e da verdade. A alienação e a ingenuidade não podem ser predicados dos seguidores e seguidoras de Jesus. Ao contrário, quem se faz discípulo de Jesus deve se revestir de criatividade, coragem e ousadia para anunciar os valores do Reino.

Em segundo lugar, Jesus deixa claro que para ser seu discípulo é necessário decidir radicalmente por Deus a quem se deve prestar lealdade de forma absoluta e irrenunciável. Devemos, então, saber como nos comportar diante do dinheiro, que deve ser usado para a prática do bem e da justiça, para a construção do bem comum e não para o acúmulo egoísta que leva à indiferença e produz a exclusão. Na parábola contada por Jesus, ele se refere ao dinheiro como Mammona, nome dado a uma divindade fenícia. Significa dizer que muita gente faz da riqueza e do dinheiro o seu ídolo a quem presta culto. Por isso Jesus vai dizer que “ninguém pode servir a dois senhores”, a Deus e ao dinheiro (Lc 16,13). Não é possível prestar lealdade a Deus e, ao mesmo tempo, ao ídolo dinheiro.

Diante da crescente desigualdade provocada por uma economia que privilegia o mercado e idolatra o lucro, devemos nos perguntar como nos posicionamos enquanto seguidores de Jesus. Não há uma condenação ao dinheiro se o temos como mediação para alcançar o que é necessário para viver com dignidade, sempre preocupados em usá-lo para a construção do bem comum, lembrados de que “o dinheiro deve servir, e não governar!” (Papa Francisco, EG, n 58). Todo cuidado é pouco, afinal, “a adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano” (EG, 55). Por isso, não cessemos de nos perguntar em nossa oração: a quem estamos servindo, a Deus ou ao dinheiro? A ambos é impossível.

Comentários

  1. Comi sempre, sábias palavras.

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  2. Ótima reflexão para os dias atuais que estamos vivenciando. Não podemos servir a Deus e idolatrar o dinheiro.

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