Menino travesso

Pe. Claret

Procurava-se o Menino desde o início de 2019. Cada qual diz tê-lo visto aqui e ali, mas ninguém tem endereço certo. Cogitam estar no palácio, no templo. Desconfia-se, porém, com fundados indícios, de que esteja, mesmo, brincando de surfar com seus colegas de turma. É coisa de que gosta muito! Em outubro de 2018, durante campanha eleitoral, teria dado sinais dessa predileção. Especialmente pelas ondas à direita. Elas espumam cifrões.

A preocupação com o Menino sumido e travesso veio crescendo tanto que, no dia 19 de setembro, ninguém mais suportou ficar em casa. Paula Cândido saiu de madrugada, às 5:30. Viçosa, Senador Firmino, Divinésia, Dores do Turvo, Abreus, Cipotânea, Alto Rio Doce, todos e todas, informados de seu paradeiro em BH, dirigem-se à capital mineira.

A caravana, distribuída em ônibus e carros pequenos, chega a quase 200 pessoas, e reúne, entre o povo organizado, deputadas e deputados, prefeitos, vereadores e padres. Muitos padres!

Um deles, experiente ancião de 83 anos, há 50 anos em Cipotânea. Sua missão é marcada de barro e poeira da MG 280.  Sobrevivente de longa espera, de várias promessas, mas, principalmente, da fé persistente de crença na força do povo organizado.

No inicio da tarde, os participantes da caravana estão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Alguns almoçam ali mesmo, onde um quilo de comida pode chegar a 50 reais. A saída é enganar o estômago com uns gramas. Outros almoçam pelo caminho. Ao menos um deles chega pela rodoviária e vai ao restaurante popular por 3 reais. Comida balanceada e deliciosa, herança de Célio de Castro e Patrus, governos populares.

Após fotos na escadaria da Assembleia, com cartazes, faixas, músicas e gritos de ordem, os manifestantes entram e seguem em direção ao Plenário. Dá-se um nítido contraste entre o povo de rosto queimado do sofrimento da vida e aquele ambiente sofisticado. Difícil crer que ali possa ser, um dia, a casa do povo. Mas vale a metáfora.

Em dois plenários lotados, com gente sentada e de pé, inicia-se  o procedimento de busca do Menino. A determinação é que ninguém pare enquanto não seja encontrado.

A procura é intensa! Não se dispensa a ajuda do aquém e do além. Em silêncio, há quem invoque os fantasmas, que vivem escondidos e recebem altos salários. Em ato de fé, Dom Luciano é lembrado, vivo no meio do povo.

Alguns, mais indignados, levantam o tapete desse e daquele nome, sacodem, mas não encontram ninguém. Apenas poeira, um cheiro de mofo e dois escorpiões venenosos.

Tudo é revirado: sentimento, estatísticas, pensamento. Qualquer indício do Menino é levado ao microfone para ciência dos presentes.

A busca, sem descanso, dura mais de três horas. O quebra-cabeça vai sendo montado, peça por peça. Por fim, há consenso de que o Menino travesso está em BH. Nalgum lugar bem protegido. É ‘novo’ e precisa de cuidados especiais. Ainda mais com sua mania esquisita de fazer-se camundongo, com sua turma, e ‘brincar’ de roer tudo.

Beatriz e Padre João, que ajudam nas buscas acompanhando a organização popular, sugerem Visita Técnica ao possível esconderijo do menino. E explicam: com esse dispositivo ele não pode fugir! Todos estão de acordo. Então se encerram os trabalhos.

Enquanto os manifestantes caminham para a foto coletiva, na escadaria da Assembleia, um barulho diferente na lanchonete chama a atenção de uma das mulheres. Ela se aproxima, discretamente, e vê o Menino brincando de roer queijo. Ele está tão maduro, que seus dentes, mesmo afiados, deslizam sobre aquela casca grossa.

O Menino não está sozinho. Junto dele, há dezenas de outros meninos-camundongos chiando e brincando de roer a Cemig, a Copasa e o minério do Norte de Minas Gerais.

De acordo com recentes descobertas da Medicina, esse ato de roer, aparentemente por brincadeira, pode estar associado a uma doença grave e contagiosa chamada, genericamente, de capitalismo. Ela leva a uma completa degeneração do Humano, a qual, em estágio avançado, faz a pessoa transformar-se em rato.

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