Comunidades ribeirinhas, testemunho de fé e amor à Imaculada Conceição (4)

Comunidade de Biribinha conduz o andor da Imaculada Conceição barco
IV - De Biribinha para Barreira do Tambaqui II

O relógio marcava 7h30 quando dei a bênção final da missa das 6h15, na catedral Imaculada Conceição, em Humaitá, neste domingo, 20 de outubro. Atrasado, apressei-me para o embarque no Príncipe das Águas II, encarregado de levar os “Peregrinos da Imaculada” à comunidade de Biribinha onde haverá missa, encerrando a visita da imagem peregrina da Imaculada Conceição às famílias daquela comunidade.

A passos largos, já na rampa de acesso ao terminal hidroviário, escuto o alerta do coordenador da peregrinação: "Assim que o padre chegar partiremos porque hoje a viagem é mais longa". Entendi de imediato que só estavam me aguardando para partir Madeira acima. Com 15 minutos de atraso, sob o ronco do motor do Príncipe das Águas II, iniciamos nossa oração e zarpamos em direção a Biribinha. Dali, após a missa, navegaremos até Barreira do Tambaqui II, a comunidade mais distante de Humaitá a receber a imagem.

Terminadas as orações, é hora do café. Sobre duas mesas, garrafas de café, bolo de macaxeira, pão com queijo, biscoitos, bolos, tapiocas e outras saborosas quitandas. Tudo partilhado no primeiro pavimento do barco que concentra a maioria dos mais de 150 peregrinos. Alguns, em grupos menores, assentados no segundo andar do barco, também tomam café juntos, colocando em comum o que trouxeram.

Como é maravilhosa a experiência da partilha! Às vezes me pergunto por que não a aprofundamos no cotidiano de nossa vida? Estou convencido de que esse caminho, ensinado por Jesus, é o mais eficaz para erradicar a desigualdade que marca nosso país. Quem, porém, está realmente disposto a combater o consumismo, o acúmulo e a ganância, superando o egoísmo e o individualismo?

A viagem é rápida. Pouco mais de 40 minutos. Como em todas as viagens da peregrinação, seu Luiz, fogueteiro dos Peregrinos, do último piso do barco, lança no ar o aviso de nossa chegada. Do outro lado do rio, a resposta da comunidade que nos aguarda ansiosa. A lamentar a impossibilidade de todos descerem do Príncipe das Águas para a missa em Biribinha. Motivo? Não é possível o barco se aproximar das margens por falta de profundidade do rio que, nesse tempo, sempre sofre uma baixa. Erickson, coordenador da peregrinação, é quem orienta: “Infelizmente, não é possível que todos desembarquem. Há apenas um barco para fazer a conexão. Serão somente duas viagens. Em primeiro lugar, vão os responsáveis pela liturgia. Em seguida, mais um grupo. Conto com a compreensão de todos”.

É claro que muitos desejariam ir também, mas compreendem e aceitam com resignação o fato de terem que aguardar no barco. Vou com o segundo grupo. Na capela, todos aguardam para a celebração. As crianças da comunidade ocupam os primeiros bancos de um lado. Convido os adultos a tomarem acento nos primeiros bancos do outro lado.

Durante a missa, falamos da importância da oração, inspirados nos textos bíblicos do 29º Domingo do Tempo Comum. “A oração nos liga a Deus. Toda vez que deixamos de rezar, nos desligamos de Deus e, então, somos derrotados pelo mal. Por isso, devemos rezar sempre como nos ensina Jesus no evangelho”. Foi a mensagem central que deixei para os participantes. “A oração é como o óleo diesel que vocês usam no motor para gerar energia. Se faltar o óleo, faltará a luz. Assim também, se faltar a oração, faltará a luz de Deus na nossa vida”, completei.

Lembrei ainda que estávamos celebrando o Dia Mundial das Missões. Pedi, então, que as irmãs Maria Antônia e Daiane e os freis capuchinhos Gabriel e Davi dessem testemunho da missão que realizam em Humaitá. Todos acompanharam atentos. Ao final, pedi que a comunidade lembrasse nomes de missionários e missionárias que já passaram por lá. Não foi difícil. Citaram irmã Carmem, irmã Ivone, padre Norberto, padre Man, padre Arnoldo.

Terminada a missa, os Peregrinos da Imaculada promoveram sorteio de vários brindes para os moradores da comunidade. Os olhos das crianças brilhavam a cada número que fazia a alegria dos contemplados. A oração de despedida da imagem foi dirigida por Adriana com a participação de duas adolescentes. Erickson anunciou o valor da oferta feita pela comunidade à Imaculada Conceição. Dei a bênção e saímos em procissão com o andor até a voadeira que o levaria ao Príncipe das Águas II.

Enquanto todos saiam, fiquei para trás e, curioso, perguntei a uma senhora da comunidade a razão da pouca presença dos homens na celebração. “Eles foram pescar bodó, por isso não vieram. É que nós gostamos de comer o peixe pescado na hora”, explicou-me. Entendi tudo.

Era aproximadamente 10h30 quando partimos para Barreira do Tambaqui II. Tão logo iniciamos a viagem, dona Jurema, identificada com a camisa da Legião de Maria, puxou a reza do terço, prontamente acompanhada por todos e todas. Finda a oração, os peregrinos “puseram a mesa do almoço”. Desta vez, até eu levei minha refeição: arroz com bolinho de carne moída. Ao meu lado, outros abriam suas vasilhas numa bela troca de sabores. O jovem Pedro ofereceu-me arroz com carne de sol, “um prato típico da Bolívia”, explicou-me. É que ele nasceu em Rondônia, numa cidade que fica na divisa com esse país. Andreia partilhou o macarrão. Socorro ofereceu-me suco de goiaba. Irineida dividiu o cuscuz. A partilha sempre resulta em fartura. Louvado seja Deus!

Após duas horas subindo o Madeira, o sinal da chegada: foguetes de um lado e do outro. À beira do rio, crianças e adultos nos aguardavam. Uma faixa de boas vindas à Imaculada Conceição chamava atenção na imensa floresta. Aqui, todos poderão desembarcar. Os mais apressados nem aguardam a saída da imagem apesar dos pedidos insistentes da Neia que deixassem o andor sair primeiro. Os veteranos foram logo alertando: “Vai ter que andar pela mata e subir uma escada com mais de cem degraus”.

Desci do barco depois de todos. É muito interessante a sensação de ser o último. Resolvi, então, usar o celular para algumas filmagens. Gustavo, um dos tocadores de violão que anima os peregrinos, usa minha máquina fotográfica para fazer imagens. Não perde nenhum detalhe. No caminho, um senhor da comunidade desce de seu barco trazendo na mão o cobiçado Tucumã. Um pequeno grupo se aproximou e, imediatamente, lhe comprou tudo ao preço de R$ 5 cada saquinho que continha, cada um, cerca de dez unidades da saborosa fruta que se come, por exemplo, na farinha, no pão, na tapioca. Pesquisei e descobri que é rico em vitamina A, superando, em muito o abacate e a cenoura. Já experimentei e é, realmente, saboroso.

Uma trilha na floresta nos conduz até a comunidade. Observar toda aquela natureza tão bem preservada pelos ribeirinhos me remeteu a Roma onde acontece o Sínodo para a Amazônia. De fato, a Igreja tem um papel importantíssimo na defesa desta terra, nossa casa comum, e de seus povos com sua cultura e seu saber.
Depois de andar pouco menos de um quilômetro, avistei a escada. Confesso que a imaginei mais exigente. À minha frente, uma fila enorme subindo vagarosamente a escada. Fiz questão de contar os degraus: 129. São suaves, feitos de madeira e com muita segurança. A sombra da floresta amenizava o calor, mas não impedia que o suor escorresse abundantemente.

O topo da escada nos deixa no centro da comunidade. Um lugar paradisíaco! Impossível não sentir a presença de Deus ali. Algumas poucas casas, um galpão, a capela e um outro espaço comunitário compõem o cenário. A imagem da Imaculada Conceição ficou no galpão ao lado da de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira da comunidade cujas lideranças vestiam uma camisa que as identificava: “Comunidade de Barreira de Tambaqui II - Nossa Senhora de Nazaré”. Ao contrário de Biribinha que possui energia à base de motor movido a óleo diesel, mas sem acesso a telefonia móvel e internet, Barreira do Tambaqui II possui energia elétrica e alguns têm internet, facilitando a comunicação pelo WhatsApp.

A oração de acolhida da imagem foi dirigida por Jocilene que, aos domingos, preside a celebração da Palavra na comunidade. Ela me apresentou as outras lideranças, responsáveis pelo festejo da comunidade: Luzia França, Kelly, Rosângela, Adílio e Domingos. No rosto de todos, a alegria pela presença da imagem de Nossa Senhora da Conceição que ficará entre eles até quarta-feira, 23/10, quando, por terra, será conduzida até Barreira do Tambaqui I, dedicada a Nossa Senhora do Carmo.

A permanência na comunidade foi curta. Terminada a cerimônia de acolhida da imagem, retornamos para o Príncipe das Águas. O piloto já me havia dito que a viagem de retorno a Humaitá demoraria cerca de duas horas e quinze minutos. Às 14h começamos a descer o rio. O tempo dava sinal de que uma forte chuva cairia em breve. Foi só uma ameaça. No primeiro piso do barco, a turma era pura animação. Do alto do terceiro piso, escutava o repertório variadíssimo que incluía desde Trio Parada Dura, Vando, Amado Batista até Renato Teixeira.

Enquanto uns cantavam e dançavam, outros preferiam o bate papo ou o silêncio contemplativo de uma natureza que, exuberante e majestosa, os remetia ao Criador. Observo ao longo de todo o rio, por um lado, o ir e vir de balsas com os mais variados tipos de mercadoria, por outro lado, as dragas e balsas de garimpeiros à caça do metal precioso. Penso, então, no desafio que isso significa na preservação do rio, da vida que dele depende, da natureza e da vida humana. Afinal, tudo está interligado. De novo, reporto-me ao Sínodo para a Amazônia e me convenço de que, realmente, precisamos trilhar, urgentemente, o caminho da conversão ecológica.

Despertos pelo foguete de seu Luiz, damo-nos conta de que chegamos ao fim de nossa quarta viagem da peregrinação da imagem da Imaculada Conceição. À esquerda do Madeira, imponente, lá está a bela Humaitá. Os Peregrinos recolhem seus pertences, alguns dobram suas cadeiras e se colocam de prontidão para o desembarque. Erickson faz a oração final. A seu pedido, dirijo uma última palavra a todos. Recordo-lhes nosso compromisso com a preservação do meio ambiente e nosso pacto de não usar descartável. “Nossa peregrinação deve ser cem por cento ecológica”, digo-lhes. Dou-lhes a bênção e todos nos despedimos com o compromisso de nos encontrarmos no próximo domingo, 27/10, às 7h30, para quinta viagem de nossa peregrinação. 

Início da viagem: café partilhado no barco
Equipe anima os peregrinos com canções a Nossa Senhora
Chegada a Biribinha para a missa de despedida da imagem

"Voadeira" fazendo a conexão entre o barco e a comunidade
Missa na comunidade de Biribinha

Missa na comunidade de Biribinha

Testemunho dos missionários durante a missa
Oração de despedida da imagem na comunidade de Biribinha
Biribinha conduz a imagem em procissão até o barco para as despedidas

Desembarque da imagem que chega a Barreira do Tambaqui II

Procissão até à comunidade de Barreira do Tambaqui II
Faixa de acolhida no desembarque dos pereginos

Procissão até à comunidade de Barreira do Tambaqui II
Procissão até à comunidade de Barreira do Tambaqui II
Procissão até à comunidade de Barreira do Tambaqui II
Escada que dá acesso à comunidade Barreira do Tambaqui II
Oração de acolhida da imagem em Barreira do Tambaqui II
  
 


Comentários

  1. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Que Deus abençoe o Padre Geraldo e a todos da comunidade.

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  2. Que linda Missão, um relato tão bem descrito que nos remete ao lugar. Fiquei curiosa por ver a escadaria e ao final da leitura, pude ver as fotos. Deus o abençoe sempre!

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  3. Que beleza, realidade profunda, que nos leva
    Sentirmos mais compromisso com nossa missão. Obrigada Padre Geraldo, que mesmo de longe , nos instrui como devemos agirmos.

    Deus te abençoe, vá em frente e te proteja , fortaleza. a

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  4. Deus o abençoe, proteja, guarde, capacite e dê sabedoria vinda dos altos céus.

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  5. Deus abençoe o seu trabalho missionário. Lindo o relato da experiência vivida junto com o povo de Deus.

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  6. Que o espirito santo iluminie vc sempre em sua missão padre geraldo martins,saudades de vc um abraço de sua amiga claudia da pastoral da acolhida em passagem de mariana

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  7. Oi Pare Geraldo!
    Que coisa mais linda!!!
    È perceptivil a sua satisfação nessa missão.
    Que Deus o abençoe!!!

    Saudade!!!

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  8. Padre Geraldo Martins, nós peregrinos da Imaculada ficamos muito felizes com sua presença em nosso meio, sua simplicidade e seus ensinamentos , revigoram nossas forças. Que Maria Mãe de Deus em nossa, vos ajude em sua missão.

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  9. "Despertos pelo foguete de seu Luiz, damo-nos conta de que chegamos ao fim de nossa quarta viagem da peregrinação da imagem da Imaculada Conceição".
    - Que realidade emocionante! Estou encantada! Não sem lágrimas nos olhos... (rs) Deus os abençoe! Deixo, aqui, por intermédio do "seu Luiz", o meu agradecimento a todos aí, de Humaitá, que acolhem com tanto carinho, o meu querido irmão, o Pe. Geraldo Martins! Um abraço. Paz em Cristo!

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  10. Padre Geraldo,Que Deus Abençoe sempre você e os peregrinos da Mãe Imaculada.

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