Comunidades ribeirinhas, testemunho de fé e amor à Imaculada Conceição (5)

V- De Barreira do Tambaqui I para Mirari

Passava um pouco das 10h30 de domingo, 27 de outubro, quando o Príncipe das Águas II atracou e os cerca de 200 Peregrinos da Imaculada desembarcaram após três horas subindo o Madeira. A poucos metros da margem rio, no topo de uma escada de 137 degraus, aguardavam-nos para a celebração os moradores da comunidade de Barreira do Tambaqui I, dedicada a Nossa Senhora do Carmo. A eles se uniram também os moradores de Barreira do Tambaqui II, comunidade visitada pela imagem de Nossa Senhora da Conceição no último domingo.

O lugar é paradisíaco. Casas, galpão com apenas cobertura para reuniões, capela e uma escola de alvenaria muito bem cuidada. Aí estudam 11 crianças conforme me disse o único professor da comunidade. Tudo em perfeita harmonia com a natureza. Do alto da escada, sob a sombra refrescante de gigantescas árvores, contempla-se o Madeira que desce mansamente e, nele, o subir e descer das balsas, dos barcos, das voadeiras, das rabetas. Contemplar o Madeira nos faz compreender melhor o que disseram os integrantes do Eixo Igrejas de Fronteiras na preparação para o Sínodo para a Amazônia: “O rio não nos separa, mas nos une, ajudando-nos a conviver entre diferentes culturas e línguas”.

Poucas pessoas moram em Barreira do Tambaqui I. A maioria migrou para a cidade. Católicos são menos ainda. Irmã Ivone, que faz parte da equipe missionária que atende as comunidades ribeirinhas (chamada Área Missionária Beiradão, composta por 65 comunidades) e nos acompanha hoje na peregrinação, explica que, na visita a Barreira do Tambaqui I, nem é possível fazer a celebração. A visita consta de bate papo com as poucas pessoas que ali vivem cotidianamente, entre elas, o senhor Rui, tido do coordenador da comunidade.

Vanderlei é quem coordena a comunidade, embora tenha se mudado para a cidade para propiciar o estudo dos filhos. Ao acolher os peregrinos de Nossa Senhora, manifestou a alegria com a presença de todos e, de antemão, comunicou que preparou para todos uma caldeirada de bodó para depois da missa. Os aplausos foram incontinentes. Jocilene, de Barreira do Tambaqui II, de onde veio a imagem, contou como foi a visita da imagem peregrina em sua comunidade.
Durante a missa, rezada no galpão da comunidade sobriamente enfeitado, meditamos os textos do 30º Domingo do Tempo Comum. Do livro do Eclesiástico concluímos que Deus é parceiro dos pobres e dos oprimidos. Vimos quem são os opressores e oprimidos na sociedade de hoje. A parábola que mostra a oração do fariseu e do publicano no templo, contada por Jesus e registrada por São Lucas, nos levou a refletir sobre o modo como nós rezamos. Vimos que Deus não acolhe a oração de quem é soberbo e se basta a si mesmo, como o fariseu. Ao contrário, ele acolhe a oração do pobre e do humilde que põe toda sua confiança em Deus. Vimos que, às vezes, dentro de nós, esses dois personagens se misturam.

Lembramos, também, o encerramento do Sínodo para a Amazônia e destacamos a palavra ‘conversão’ que aparece como central no documento final do Sínodo entregue ao papa. Destacamos nosso compromisso em preservar a natureza e a consciência de que ferir a mãe terra, é ferir a nossa própria vida. Aqui recordamos os que cuidam da terra e os que a agridem e exploram sem nenhum cuidado.

Passava do meio dia quando terminamos a missa. Vanderlei não perdeu tempo. Imediatamente trouxe dois enormes caldeirões com o bodó, claro, acompanhado de muita farinha. O “ataque” do instantâneo. Aos principiantes, como eu, não faltaram recomendações sobre como proceder para saborear melhor o prato. Ah, fiz questão de observar: nada de descartável! É um compromisso que, cada vez mais temos levado a sério na peregrinação.

De volta ao barco, rumamos para Mirari, próxima comunidade a receber a imagem da Imaculada Conceição. Viagem de aproximadamente uma hora. Tempo suficiente para o grupo se sentar, abrir suas “marmitas” e continuar o almoço que teve como primeiro prato o bodó servido pelo Vanderlei. Em seguida, a oração do terço e o leilão de bolos e pudins oferecidos pelos peregrinos. Aliás, em toda viagem é realizado o leilão, gritado pelo Erickson. Há bolos e pudins que saem por até R$ 80! Os valores arrecadados com os leilões ajudam a pagar o combustível do barco da peregrinação que não cobra passagem de ninguém.

Por volta das 14h, seu Luiz, fogueteiro do barco, deu sinal de já estávamos chegando ao nosso destino para deixar a imagem. Fui avisado anteriormente pelo coordenador da peregrinação que apenas seis pessoas iríamos à comunidade do Mirari para deixar o andor. Não era possível o barco atracar nas margens do rio junto à comunidade e, por essa razão, os peregrinos deveriam ficar no barco. Embarcamos na voadeira que acompanha o Príncipe das Águas, guiada pelo Gabriel. Nela colocamos o andor e, em menos de cinco minutos, já estávamos em terra. Sol escaldante! Dois moradores da comunidade receberam o andor. Caminhamos alguns poucos metros e chegamos à capela da comunidade, dedicada ao arcanjo São Miguel. Um grupo grande de pessoas que estavam no galpão acompanhou o andor. No interior da capela, duas adolescentes dirigiram as orações de acolhida da imagem. Apresentei-me, dei a bênção finalizando a oração de acolhida.

Mirari é uma comunidade animada. Segundo me informaram, são mais de 20 casas com grande número de evangélicos. O rosto das crianças e adolescentes estampava uma alegria contagiante. O coordenador da peregrinação, Erickson, agradeceu a acolhida e comunicou o horário da missa no próximo domingo: 9h45. Não podíamos demorar muito. Tínhamos que encontrar o Príncipe das Águas II que, em velocidade desacelerada, descia o Madeira. Quando entramos na voadeira, avistamos bem longe nosso barco. Gastamos pelo menos vinte minutos para alcançá-lo. Juntamo-nos aos peregrinos e, após uma hora e meia, desembarcamos no terminal hidroviário de Humaitá. O relógio já marcava 16h.

No próximo domingo, vamos buscar a imagem em Barreira do Tambaqui, onde rezaremos a missa, e transportá-la para Laranjal. A experiência ímpar da Peregrinação da Imaculada testemunha a força da piedade popular também na Amazônia. Rogamos a Nossa Senhora da Imaculada Conceição continuar abençoando seus filhos e filhas desta região, “coração biológico” do mundo.

Fotos: José Augusto

Peregrinos da Imaculada desembarcam na comunidade de B. do Tambaqui
Peregrinos sobem a escada que dá acesso à comunidade
Peregrinos sobem a escada que dá acesso à comunidade
Peregrinos caminham até a comunidade para a missa
Lideranças das comunidades acolhem os Peregrinos da Imaculada
Missa na comunidade de Barreira do Tambaqui
Barreira do Tambaqui se despede da imagem de Nossa Senhora
Peregrinos apreciam o bodó oferecido pela comunidade
O professor da comunidade com sua esposa e filho
De volta ao barco, os peregrinos partilham o almoço que trouxeram de casa
Imagem da Imaculada Conceição chega à comunidade de Mirari
Imagem da Imaculada Conceição chega à comunidade de Mirari
No galpão da comunidade, os devotos aguardam a chegada da imagem
Imagem da Imaculada Conceição é introduzida na capela
Adolescentes de Mirari fazem a oração de acolhida da imamgem
No galpão da comunidade, produtos vendidos pelos moradores
Retornando ao Príncipe das Águas II
Avistando o Príncipe das Águas II


Comentários

  1. A Alegria que vem do Senhor, nos anima nesta missão. Obrigado pelos registros Padre Geraldo.

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  2. Nos maravilhamos ao ler as postagens sobre sua missão em nossa amada terrinha. Num tom quase que poético, o senhor descreve suas experiências com uma singeleza ímpar. Nos faltam palavras para agradecer todo ensinamento transmitido em tão pouco tempo. Louvamos ao Senhor pela oportunidade de conhecer o Padre Geraldo Dias. E pedir quem sabe a oportunidade de convivermos um pouquinho mais.

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