Por uma Igreja com rosto amazônico, pobre e servidora,
profética e samaritana
Dom Cláudio Hummes e Dom Erwin - Foto: Luis Miguel Modino |
Nós, participantes do Sínodo Pan-amazônico, partilhamos a
alegria de habitar em meio a numerosos povos indígenas, quilombolas,
ribeirinhos, migrantes, comunidades na periferia das cidades desse imenso
território do Planeta. Com eles temos experimentado a força do Evangelho que
atua nos pequenos. O encontro com esses povos nos interpela e nos convida a uma
vida mais simples de partilha e gratuidade. Marcados pela escuta dos seus
clamores e lágrimas, acolhemos de coração as palavras do Papa Francisco:
“Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e
aguardam pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da
Igreja. Por eles, com eles, caminhemos juntos” (1).
Evocamos com gratidão aqueles bispos que, nas Catacumbas de
Santa Domitila, ao término do Concílio Vaticano II, firmaram o Pacto por uma
Igreja servidora e pobre (2). Recordamos com veneração todos os mártires
membros das comunidades eclesiais de base, de pastorais e movimentos populares;
lideranças indígenas, missionárias e missionários, leigas e leigos, padres e
bispos, que derramaram seu sangue, por causa desta opção pelos pobres, por
defender a vida e lutar pela salvaguarda da nossa Casa Comum (3). À gratidão
por seu heroísmo unimos nossa decisão de continuar sua luta com firmeza e
coragem. É um sentimento de urgência que se impõe ante as agressões que hoje
devastam o território amazônico, ameaçado pela violência de um sistema
econômico predatório e consumista.
Diante da Trindade Santa, de nossas Igrejas particulares,
das Igrejas da América Latina e do Caribe e daquelas que nos são solidárias na
África, Ásia, Oceania, Europa e no norte do continente americano, aos pés dos
apóstolos Pedro e Paulo e da multidão dos mártires de Roma, da América Latina e
em especial da nossa Amazônia, em profunda comunhão com o sucessor de Pedro,
invocamos o Espírito Santo, e nos
comprometemos pessoal e comunitariamente com o que se segue:
1. Assumir, diante
da extrema ameaça do aquecimento global e da exaustão dos recursos naturais, o
compromisso de defender em nossos territórios e com nossas atitudes a floresta
amazônica em pé. Dela vêm as dádivas das águas para grande parte do território
sul-americano, a contribuição para o ciclo do carbono e regulação do clima global,
uma incalculável biodiversidade e rica socio diversidade para a humanidade e a
Terra inteira.
2. Reconhecer que
não somos donos da mãe terra, mas seus filhos e filhas, formados do pó da terra
(Gn 2, 7-8) (4), hóspedes e peregrinos
(1 Pd 1, 17b e 1 Pd 2, 11) (5) , chamados a ser seus zelosos cuidadores e
cuidadoras (Gn 1, 26) (6) . Para tanto, comprometemo-nos com uma ecologia
integral, na qual tudo está interligado, o gênero humano e toda a criação
porque a totalidade dos seres são filhas e filhos da terra e sobre eles paira o
Espírito de Deus (Gn 1, 2).
3. Acolher e renovar
a cada dia a aliança de Deus com todo o criado: “De minha parte, vou
estabelecer minha aliança convosco e com vossa descendência, com todos os seres
vivos que estão convosco, aves, animais domésticos e selvagens, enfim, com
todos os animais da terra que convosco saíram da arca (Gn 9, 9-10 e Gn 9,
12-17) (7).
4. Renovar em nossas
igrejas a opção preferencial pelos pobres, em especial pelos povos originários,
e junto com eles garantir o direito de serem protagonistas na sociedade e na
Igreja. Ajudá-los a preservar suas terras, culturas, línguas, histórias,
identidades e espiritualidades. Crescer na consciência de que estas devem ser
respeitadas local e globalmente e, consequentemente favorecer, por todos os
meios ao nosso alcance, que sejam acolhidas em pé de igualdade no concerto
mundial dos demais povos e culturas.
5. Abandonar, como
decorrência, em nossas paróquias, dioceses e grupos toda espécie de mentalidade
e postura colonialista, acolhendo e valorizando a diversidade cultural, étnica
e linguística num diálogo respeitoso com todas as tradições espirituais.
6. Denunciar todas
as formas de violência e agressão à autonomia e direitos dos povos originários,
à sua identidade, aos seus territórios e às suas formas de vida.Tornar efetiva
nas comunidades a nós confiadas a passagem de uma pastoral de visita a uma
pastoral de presença, assegurando que o direito à Mesa da Palavra e à Mesa de
Eucaristia se torne efetivo em todas as comunidades.
7. Anunciar a
novidade libertadora do evangelho de Jesus Cristo, na acolhida ao outro e ao
diferente, como sucedeu com Pedro na casa de Cornélio: “Vós bem sabeis que a um
judeu é proibido relacionar-se com um estrangeiro ou entrar em sua casa. Ora,
Deus me mostrou que não se deve dizer que algum homem é profano ou impuro” (At
10, 28) (8).
8. Caminhar
ecumenicamente com outras comunidades cristãs no anúncio inculturado e
libertador do evangelho, e com as outras religiões e pessoas de boa vontade, na
solidariedade com os povos originários, com os pobres e pequenos, na defesa dos
seus direitos e na preservação da Casa Comum.
9. Instaurar em
nossas igrejas particulares um estilo de vida sinodal, onde representantes dos
povos originários, missionários e missionárias, leigos e leigas, em razão do
seu batismo, e em comunhão com seus pastores, tenham voz e voto nas assembleias
diocesanas, nos conselhos pastorais e paroquiais, enfim em tudo que lhes
compete no governo das comunidades.
10. Empenhar-nos no
urgente reconhecimento dos ministérios eclesiais já existentes nas comunidades,
exercidos por agentes de pastoral, catequistas indígenas, ministras e ministros
e da Palavra, valorizando em especial seu cuidado em relação aos mais
vulneráveis e excluídos.
11. Tornar efetiva
nas comunidades a nós confiadas a passagem de uma pastoral de visita a uma
pastoral de presença, assegurando que o direito à Mesa da Palavra e à Mesa de
Eucaristia se torne efetivo em todas as comunidades.
12. Reconhecer os
serviços e a real diaconia do grande número de mulheres que hoje dirigem
comunidades na Amazônia e procurar consolidá-los com um ministério adequado de
mulheres dirigentes de comunidade.
13. Buscar novos
caminhos de ação pastoral nas cidades onde atuamos, com protagonismo de leigos
e jovens, com atenção às suas periferias e aos migrantes, aos trabalhadores e
aos desempregados, aos estudantes, educadores, pesquisadores e ao mundo da
cultura e da comunicação (9).
14. Assumir diante
da avalanche do consumismo um estilo de vida alegremente sóbrio, simples e
solidário com os que pouco ou nada tem; reduzir a produção de lixo e o uso de plásticos,
favorecer a produção e comercialização de produtos agroecológicos, utilizar
sempre que possível o transporte público.
15. Colocar-nos ao
lado dos que são perseguidos pelo profético serviço de denúncia e reparação de
injustiças, de defesa da terra e dos direitos dos pequenos, de acolhida e apoio
a migrantes e refugiados. Cultivar amizades verdadeiras com os pobres, visitar
as pessoas mais simples e os enfermos, exercitando o ministério da escuta, da
consolação e do apoio que trazem alento e renovam a esperança.
Conscientes de nossas fragilidades, de nossa pobreza e
pequenez diante de tão grandes e graves desafios, confiamo-nos à oração da
Igreja. Que sobretudo nossas Comunidades Eclesiais nos socorram com sua
intercessão, afeto no Senhor e, sempre que necessário, com a caridade da
correção fraterna.
Acolhemos de coração aberto o convite do Cardeal Hummes para
nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo nestes dias do Sínodo e no retorno às
nossas igrejas:
“Deixem-se envolver no manto da Mãe de Deus e Rainha da
Amazônia. Não deixemos que nos vença a autorreferencialidade, mas sim a
misericórdia diante do grito dos pobres e da terra. Será necessária muita
oração, meditação e discernimento, além de uma prática concreta de comunhão
eclesial e espírito sinodal. Este sínodo é como uma mesa que Deus preparou para
os seus pobres e nos pede a nós que sejamos aqueles que servem à mesa” (10).
Celebramos esta Eucaristia do Pacto como “um ato de amor
cósmico. “Sim, cósmico! Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma
igreja de aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar
do mundo”. A Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação. O
mundo saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração: no Pão
Eucarístico “a criação propende para a divinização, para as santas núpcias,
para a unificação com o próprio Criador”. “Por isso, a Eucaristia é também
fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos
a ser guardiões da criação inteira” (11).
Catacumbas de Santa Domitila
Roma, 20 de outubro de 2019
Notas
1.- Homilia do Papa
Francisco na Missa de abertura do Sínodo, Roma 06-10-2019
2.- Pacto por uma Igreja servidora e pobre. Catacumbas de
Santa Domitila, Roma 16 de novembro de 1965. O Pacto assinado por 42
concelebrantes, recebeu em seguida a adesão de cerca de 500 padres conciliares.
3.- DAp 98, 140, 275, 383, 396.
4.- “Então o SENHOR Deus formou o ser humano com o pó do
solo, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e Ele tornou-se um ser vivente. 8
Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, a oriente, e pôs ali o homem
que havia formado”.
5.- “... vivei no
temor o tempo de vossa permanência como migrantes” (1 Pd 1, 17b) e “Amados,
exorto-vos, como peregrinos e forasteiros...” (1 Pd, 2, 11).
6.- “26 Deus disse:
‘Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança, para que
domine [cuide] sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos,
todos os animais selvagens e todos os animais que se movem pelo chão’. 27 Deus
criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou”.
7.- 12 E Deus disse: “Eis o sinal da aliança que estabeleço
entre mim e vós e todos os seres vivos que estão convosco, por todas as
gerações futuras. 13 Ponho meu arco nas nuvens, como sinal de aliança entre mim
e a terra. 14 Quando eu cobrir de nuvens a terra, aparecerá o arco-íris nas
nuvens. 15 Então me lembrarei de minha aliança convosco e com todas as espécies
de seres vivos, e as águas não se tornarão mais um dilúvio para destruir toda
carne. 16 Quando o arco-íris estiver nas nuvens, eu o contemplarei como
recordação da aliança eterna entre Deus e todas as espécies de seres vivos
sobre a terra”. 17 Deus disse a Noé: “Este é o sinal da aliança que estabeleço
entre mim e toda a carne sobre a terra”.
8.- 4 Então, Pedro
tomou a palavra: “De fato”, disse, “estou compreendendo que Deus não faz
discriminação entre as pessoas. 35 Pelo contrário, ele aceita quem o teme e
pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença (At 10, 34-35).
9.- Cfr DSD 302.1.3
10.- HUMMES, Card. Cláudio, 1ª. Congregação Geral do Sínodo
Amazônico, Relação introdutória do Relator Geral, Roma, 07-10-2019 (BO 792).
11.- Laudato Si’, 237.
Fonte: IHU
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