Comunidades ribeirinhas, testemunho de fé e amor à Imaculada Conceição (6)

VI – De Mirari para Laranjal
Despedida da Imagem Peregrina da Comunidade de Mirari

Pe. Geraldo Martins

“Sou, sou teu, Senhor, sou povo novo, retirante e lutador, Deus dos peregrinos, dos pequeninos, Jesus Cristo redentor!”.

O canto soava animado, retumbando pela floresta e chegando até os Peregrinos da Imaculada que se aproximavam da comunidade de Mirari, no último domingo, 3 de novembro. Lembrei-me logo: “É o refrão do Bendito dos romeiros, do grande poeta Zé Vicente”. Maravilhei-me ouvir aqueles versos, em plena floresta amazônica, cantados a plenos pulmões, sob o ritmo do violão do jovem Henrique. Reportei-me instantaneamente à primeira paróquia onde iniciei meu ministério presbiteral, no fim da década de 1980. Foi um tempo inesquecível em que organizávamos as comunidades, inspirados nas Comunidades Eclesiais de Base, novo jeito de ser Igreja.

Com todos os peregrinos no galpão da celebração, que ficou pequeno para tanta gente, e alguns sob a sombra das árvores, começamos a missa pouco antes das 11h (horário local) animada pelas lideranças da comunidade. Isso foi uma bela e agradável novidade. Meditamos sobre o chamado que Deus nos faz à santidade à luz da solenidade de Todos os Santos e Santas.

“Viver a pobreza e buscar a justiça. Eis a síntese do caminho que leva à santidade proposto pelas bem-aventuranças narradas pelo evangelista Mateus”, comentei durante a homilia. “Só Deus é santo. Somos filhos de Deus. Devemos, portanto, ser santos como Ele é santo. E não alcançaremos a santidade fora do mundo, mas agindo nele de modo a transformá-lo para que seja sinal do Reino de Deus”, acrescentei. “Além disso, no caminho da santidade há obstáculos e tribulações que precisam ser vencidos a exemplo das primeiras comunidades como nos lembra o livro do Apocalipse. Aos que vencerem as tribulações e as perseguições será dada a palma da vitória, isto é, a coroa da santidade”, concluí.

O sorteio dos brindes para os moradores da comunidade, oferecidos pela coordenação da peregrinação, animou a turma após a missa, sobretudo, os premiados. Joselino, coordenador da comunidade, contou como foi a presença da imagem junto do povo de Mirari. Agradeceu a oportunidade de mais uma vez receber a Imagem Peregrina de Nossa Senhora da Conceição. Em seguida, oficiou as orações de despedidas, auxiliado por duas adolescentes. Ato contínuo, em procissão, levamos o andor para o barco, num belo espetáculo que uniu fé e natureza. Tudo louva o Criador!

O Príncipe das Águas II já estava com os motores roncando. Após o andor, os peregrinos e peregrinas, um a um, subiram no barco que partiu logo, descendo o Madeira, rumo a Laranjal, próxima parada da imagem da Imaculada. Nem bem o barco não tinha partido, o cheiro delicioso do almoço exalou nos ares. Na minha “marmita”, um ‘tropeiro’ que ganhei na noite anterior, acrescido de macarrão feito por mim mesmo. Um amigo se aproximou e me brindou com uma carne muito saborosa de um animal que há tempos não comia. Outra veio com suco de goiaba. Reparti o que trouxera com quem estava do meu lado. É gratificante a experiência da partilha!

De repente, dona Conceição começou o terço em frente ao andor com a imagem da Imaculada. Todos já tinham almoçado e lavado dos vasilhas conforme era possível. O descartável está sumindo de nossa peregrinação. Compromisso com nossa Casa Comum. Antes de terminar o quarto mistério do terço, o barco já estava atracando na comunidade de Laranjal. Foi preciso esperar a reza do quinto mistério para retirar o andor.

Um leve morro dava acesso à comunidade. No seu topo, uma criança empunhava a bandeira de São Sebastião, um dos padroeiros de Laranjal. Acompanhada de alguns adultos, desceu até próximo do barco, pôs-se à frente do andor, conduzido pelos primos Alex e Valdemir, e começamos a procissão até à capela. Distância de pouquíssimos metros.

A humilde capela estava festivamente ornamentada. Numa mesa maior foi colocado o andor da Imaculada Conceição. Ao lado, uma mesa menor guardava os santos de devoção da comunidade aos quais será acrescentada, em breve, a imagem de Nossa Senhora Aparecida, enviada diretamente de Aparecida-SP ao Sr. Milton, líder mais antigo da comunidade. Emocionado, ele tinha uma razão especial para se alegrar com a visita da Imagem Peregrina. Há dois anos sofreu um infarto e escapou por pouco. “O tempo todo eu rezei para Nossa Senhora da Conceição. Foi ela que me trouxe de volta”, contou, comovido quase às lágrimas, sob os aplausos dos peregrinos. Ao seu lado, a esposa, alguns dos filhos e netos assentiam com a cabeça.

Alex, neto do sr. Milton, reside e trabalha em Humaitá, mas todo fim de semana vem para Laranjal. Confidenciou-me, durante a viagem de volta, que, na comunidade, é chamado de padre por dirigir as orações nas reuniões dominicais da comunidade, que fica muito próxima da cidade. Nas suas palavras, cerca de dez minutos de voadeira. É militar e, conforme me disse, já pensou em ser padre. Disse a ele que ainda é possível e que, se Deus chama, é difícil dizer ‘não’.

Coube a ele presidir as orações de acolhida da imagem na capela. Agradeceu a presença de todos e comunicou que, no próximo domingo, após a missa, haverá o almoço comunitário. Já prepararam até o local. Dados os avisos costumeiros, rumamos para o barco a poucos metros dali a fim de voltarmos para casa.

O retorno a Humaitá foi rápido. Às 14h30 (horário local) já desembarcávamos no terminal hidroviário. Na peregrinação deste domingo, não tivemos a presença de tantos jovens como na semana passada. Estavam ocupados com o Enem, imagino. Durante a viagem de ida e volta não faltaram recomendações, orações, cantos, leilões, muita conversa de pé de ouvido e alegria. Em um dado momento, durante a ida, pude até adiantar a leitura do Texto Base da Campanha da Fraternidade 2020. O tempo firme de um domingo ensolarado ajudou para mais uma bela experiência missionária pelas águas do rio Madeira. Deus seja louvado!


D. Tereza, 82, não perde uma peregrinação da Imaculada Conceição
Peregrinos/as da Imaculada desembarcam na comunidade de Mirari
A sombrinha ajuda a amenizar o calor na pequena caminhada até Mirari
A capela de Mirari (à direita) é dedicada a São Miguel
Animadoras/es de canto da comunidade de Mirari
Os peregrinos/as se preparam para a missa na comunidade de Mirari
Missa na comunidade de Mirari
Liturgia da Palavra
Momento da homilia
O coordenador da comunidade agradece a visita da imagem
Animadora de cantos da comunidade
Oração de despedida da imagem de Mirari

Procissão levando o andor com a imagem até o barco
Peregrinos conduzem a imagem até o barco

Peregrinos deixando a comunidade de Mirari e embarcando para Laranjal
Comunidade de Laranjal indo ao encontro da imagem peregrina
Imagem desembarca na comunidade de Laranjal
Em procissão, imagem é conduzida à capela da comunidade
Líderes da comunidade acomodam o andor na capela

Sr. Milton com a esposa e filha: graça alcançada.
Peregrinos/as deixam Laranjal e embarcam de volta a Humaitá


Comentários

  1. Sou missionário, sou povo de Deus. Sou índio, caboclo, mestiço fazendo da vida a missão; aqui nesta grande tapera da Igreja Amazônica sou mensageiro de um Deus que é irmão.

    Obrigado Padre Geraldo pela vida e missão neste chão de evangelização.

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  2. Que maravilha! "... num belo espetáculo que uniu fé e natureza. Tudo louva o Criador!" Abraço, mano! Tudo pela Missão!

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  3. A exatos dois anos comecei a participar da peregrinação e não fazia a menor ideia do que ia encontrar...quando decidi participar já haviam percorrido algumas comunidades. Foram tantos os pensamentos quando entrei pela primeira vez no barco peregrino e maior foi a surpresa quando chegamos à comunidade da Barreira do Tambaqui...quantos degraus - 148 para ser mais precisa. Foi a melhor experiencia da minha vida, penso que todas as pessoas deveriam passar essa experiencia. Parabéns pela partilha Padre.
    "Nossa vida e missão neste chão!"

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  4. Padre Geraldo Martins, que Deus o abençoe sempre e faça prosperar sempre seu trabalho missionário. Unidos na fe e nas orações. Avante.

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