O desafio de amar o inimigo

“Sejam misericordiosos como o Pai de vocês é misericordioso” (Lc 6,36)

Pe. Geraldo Martins

7º Domingo do Tempo Comum – ANO C

§  1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23; Sl 102/103; 1Cor 15,45-49;  Lc 6,27-38

O evangelho deste domingo apresenta a maior exigência de Jesus aos seus discípulos e discípulas: amar os inimigos. Não são poucos os que, se pudessem, arrancariam esta página do evangelho. Além de parecer impossível de ser vivida, essa exigência vai na contra mão de nossos instintos quando sofremos alguma violência, ofensa ou injustiça. Não raras vezes, tomados por sentimentos de revolta diante do mal de que somos vítimas, canalizamos nossa indignação para a prática da vingança, convencidos de que estamos fazendo justiça. Lamentavelmente, vemos crescer esse tipo de atitude alimentada por discursos de ódio e de intolerância que só fazem aumentar a violência.

Amar os inimigos, na prática, significa seguir o caminho da não violência, comprometendo-se com a cultura da paz, tal como fez Jesus. Daí, responder às ofensas, injúrias e agressões com o bem, com bênção e oração. Não se trata, evidentemente, de conformismo ou passividade diante da injustiça, mas de nova postura na construção da justiça. Não mais o “olho por olho, dente por dente”, que vigorava no tempo de Jesus. O caminho agora é outro. Só o amor que tudo perdoa é capaz de fazer nascer uma nova humanidade, uma nova sociedade que aponte para o Reino de Deus.

O caminho para viver esse ideal apresentado por Jesus passa pela prática da regra de ouro que ele traz de forma positiva: “O que vocês desejam que os outros lhes façam, façam-no também vocês a eles” (Lc 6,31). Ah, se todos nos lembrássemos dessa regra, sobretudo, diante dos conflitos, diante de nossos desafetos e de tantas situações adversas, certamente, construiríamos a paz com a qual tanto sonhamos.

Amar o inimigo a partir da vivência dessa regra de ouro só será possível se nos dispusermos a fazer da misericórdia a razão de nosso viver. A recomendação/ordem de Jesus – “Sejam misericordiosos, como também o Pai de vocês é misericordioso” (Lc 6,36) – soa como um projeto de vida que devemos construir ao longo de nosso existir. Tal como Deus “é bondoso para com os ingratos e maus”, devemos praticar a bondade, não julgando, não condenando e perdoando. É assim que tornaremos concreto nosso amor aos inimigos.

Na leitura do primeiro livro de Samuel, proclamada neste domingo, Davi nos dá um exemplo de como amar o inimigo. Perseguido por Saul, que se tornara seu inimigo, Davi tem a oportunidade de matá-lo e não o faz. Por quê? Porque Saul é um ungido do Senhor. “Quem poderia estender a mão contra o ungido do Senhor e ficar impune?” (1Sm 26,11), questiona Davi.

No dia em que reconhecermos o outro como nosso irmão e ungido do Senhor, seremos capazes amá-lo e fazer-lhe o bem, ainda que se tenha tornado nosso inimigo. Fique claro, no entanto, que amar e perdoar aos que nos ofendem “não quer dizer esquecer o dano que nos causaram, mas sim recordá-lo da maneira menos prejudicial para o ofensor e para si mesmo” (José Antônio Pagola).

O amor ao inimigo, lembra o papa Bento XVI, constitui o núcleo da “revolução cristã”. “Uma revolução baseada não em estratégias de poder econômico, político ou mediático. A revolução do amor, um amor que definitivamente não se apoia nos recursos humanos, mas é dom de Deus que se obtém confiando unicamente e sem reservas na sua bondade misericordiosa. Eis a novidade do Evangelho, que muda o mundo sem fazer rumor. Eis o heroísmo dos ‘pequenos, que creem no amor de Deus e o difundem até à custa da vida” (18.02.2007).

Deus nos dê a graça de praticarmos esse amor e, assim, participarmos da única revolução capaz de transformar o mundo.

Rezemos pelas vítimas da tragédia em Petrópolis (RJ). 

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