A Palavra se faz vida - 4º Domingo da Quaresma - Ano C

 “Correu-lhe ao encontro, abraçou-o, e cobriu-o de beijos” (Lc 15,20)

Js 5,9a.10-12; Sl 33,2-3.4-5.6-7; 2Cor 5,17-21; Lc 15,1-3.11-32

 

O 4º domingo da Quaresma convida-nos à alegria. Esta nasce da misericórdia de Deus que se manifesta a nós de muitas formas, como nos revelam as três leituras proclamadas na liturgia deste domingo. Penso que três palavras, que aparecem de modo implícito na mesa da Palavra, traduzem esta alegria: libertação, perdão e reconciliação.

Livre da escravidão do Egito, o povo de Deus entra na Terra prometida e aí faz festa pela vida nova, conforme lemos no livro de Josué (Js 5,9a.10-12). Em sua misericórdia, Deus libertou seu povo da vergonha do Egito (Js 5,9). Agora, o povo já não precisa mais do maná que o sustentou durante a travessia o deserto. Seu alimento vem da nova terra que Deus, na sua bondade e generosidade, lhe deu (Js 5,12).

A libertação, fruto da misericórdia de Deus, é razão de alegria! Podemos nos perguntar: que escravidão, hoje, tira a liberdade dos filhos e filhas de Deus, especialmente, os empobrecidos, impedindo-os de viver a alegria?

No evangelho, Jesus revela que a alegria nasce do perdão gratuito que Deus nos oferece, manifestando, assim, sua misericórdia de forma transbordante, abrangente, escandalosa. A parábola do Filho Pródigo ou do Pai Misericordioso, contada por Jesus, não deixa dúvida do quanto Deus nos ama. É um convite à reconciliação, sacramento da alegria, como disse o Papa Francisco.

Alguns detalhes dos três personagens da parábola ajudam-nos a sentir melhor a misericórdia de Deus e, consequentemente, a alegria que ela nos proporciona. Olhemos, em primeiro lugar, a atitude do Pai. No seu amor infinito, ele tem gestos de mãe. Seu amor materno o faz “esperar contra toda esperança” e acreditar na volta do Filho que saíra de casa. Quando este volta, o Pai o avista de longe e sai ao seu encontro. Interrompe sua confissão e o acolhe como filho, não como empregado como o próprio filho chegara a pensar.

Quando nos dispomos a encontrar Deus, ele se antecipa a nós e vem ao nosso encontro primeiro. Não para punir ou castigar, mas para acolher e amar. É impelido pela compaixão – “Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o, e cobriu-o de beijos” (Lc 15,20).

Do filho mais novo observemos, sobretudo, a grandeza de reconhecer seu pecado e a coragem de voltar para a casa do pai. Atitude de quem conhece o pai e o amor que o define. Só volta para casa quem, na humildade, admite que, longe do pai, a vida perde o sentido, desumaniza-se.

A convicção do amor materno de Deus enche-nos de alegria e nos põe no caminho de retorno para a verdadeira vida. Por que muitos ainda têm medo de voltar para casa? Ah, quantos pregadores, ao invés de ressaltar o amor e a misericórdia de Deus, carregam a mão no pecado, na condenação, e enchem o coração das pessoas de uma culpa que os faz ter medo de Deus. É uma pena que seja assim.

O filho mais velho mostrou que não conhecia o próprio pai, embora nunca tivesse saído de sua presença. Ao rebelar-se contra a alegria do pai pela volta do irmão mais novo, dá provas de que nunca se deixou envolver pelo amor do pai. Como compreender a misericórdia de Deus quem não se deixa amar? O pai vai também ao seu encontro e manifesta a mesma ternura e misericórdia que demonstrara para com o filho mais novo, recordando-lhe, inclusive, a razão da alegria e da festa: “este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado” (Lc 15,32). Terá se rendido ao amor do pai?...

Na carta aos coríntios, São Paulo lembra que a alegria consiste na reconciliação com Deus cuja misericórdia nos reconcilia com ele e nos faz novas criaturas em Cristo - “Deus reconciliou o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas” (2Cor 5,19). Pode existir alegria maior que essa?

Há muitas maneiras de buscar a libertação, o perdão e a reconciliação que nos comunicam a misericórdia de Deus, razão de nossa alegria. O sacramento da confissão é, sem dúvida, uma destas maneiras mais eloquente e são muitos os que a experimentamos. Por isso, pode e deve ser chamado de sacramento da alegria, como nos recordou o Papa Francisco celebração da penitência que presidiu durante a consagração da Rússia e da Ucrânia ao Coração Imaculado de Maria, na última sexta-feira, 25 de março.

Disse o papa: “restituamos à graça o primado e peçamos o dom de compreender que a Reconciliação consiste antes de tudo, não num passo nosso para Deus, mas no seu abraço que nos envolve, deslumbra, comove. (...) Não negligenciemos a Reconciliação, mas voltemos a descobri-la como o Sacramento da alegria. Sim, o Sacramento da alegria, onde o mal que nos faz envergonhar se torna ocasião para experimentar o abraço caloroso do Pai, a força suave de Jesus que nos cura, a ‘ternura materna’ do Espírito Santo. Aqui está o coração da Confissão”.

A nós, padres, que administramos o perdão de Deus, especialmente neste tempo quaresmal, não nos passe despercebida esta exortação de Francisco: “Vós, irmãos que administrais o perdão de Deus, sede aqueles que oferecem a quem se aproxima de vós a alegria deste anúncio: Alegra-te, o Senhor está contigo. Sem qualquer rigidez, por favor, sem criar obstáculos nem incômodos; portas abertas à misericórdia! De forma especial na Confissão, somos chamados a personificar o Bom Pastor que toma as suas ovelhas nos braços e as acaricia; somos chamados a ser canais de graça que derramam, na aridez do coração, a água viva da misericórdia do Pai. Se um sacerdote não tem este comportamento, se não tem estes sentimentos no coração, é melhor que não vá confessar”.

Comentários